... o Padma Yoga Shala está ENCERRADO, mas o Yoga pode e deve continuar, também além do tapete...
“Inhale, and God approaches you. Hold the inhalation, and God remains with you. Exhale, and you approach God. Hold the exhalation, and surrender to God.”
“Inspire, e Deus aproxima-se de você. Contenha a inspiração, e Deus permanece com você. Expire, e você aproxima-se de Deus. Contenha a expiração, e entregue-se a Deus”.
Sri Tirumalai Krishnamacharya
Queridos alunos e amigos 🌿,
Queridos alunos e amigos,
Espero que esta Newsletter do mês de Maio vos encontre todos bem, dentro da medida do possível. Espero que estas semanas de isolamento social não vos tenham levado à exaustão e que não vos tenham tirado o fôlego…
A respiração é, de todos os exemplos possíveis, aquele que melhor simboliza a perfeição de troca ou partilha.
Inspiramos e recebemos.
Recebemos o sopro, recebemos a vida, ligamo-nos a todo o Universo. O ar que respiramos não é diferente do ar que respira cada ser vivo, no nosso planeta. Quando inspiramos de forma consciente e saudável, recebemos exactamente a quantidade de ar que precisamos, nem mais, nem menos. De que nos serviria inspirar mais que o necessário? Alguma vez pensaríamos em inspirar um pouco além do que precisamos, de forma a acumular um pouco para o futuro, para dias incertos, ou para deixarmos em herança aos nossos filhos e netos? Onde guardaríamos esse ar que não nos faz falta agora, mas que, por medo da falta que poderia fazer-nos no futuro, tentaríamos, de uma forma ou de outra, guardar para mais tarde?
Retemos o ar com os pulmões cheios, sentimos expandir esse sopro em forma de energia a cada parte do nosso ser, nutrindo-a na medida certa. Acolhemos em nós esta capacidade de receber em equilíbrio, na quantidade necessária. Nem demais, nem de menos.
Expiramos e damos.
Deixamos sair de nós o que inicialmente recebemos, deixando fluir aquilo que nos nutriu, mas nunca nos pertenceu. Damos o que temos para dar, depois de nutridos, depois de revitalizados. Aproveitamos para libertar o que já não nos serve, o que nos sobrecarrega, o que nos polui. Do outro lado, uma parte importante da Natureza , espera por esta troca, este dom de nós mesmos, que por sua vez a vai alimentar e nutrir. À medida que expiramos, realizamos esta união entre nós e o Universo que nos rodeia. Este Universo que não está ao nosso serviço, mas que é parte de nós e nós parte dele. Damos tudo, porque não faz sentido guardar uma parte para nós. Damos aquilo que aparentemente já não está ao serviço da nossa vida, mas continua, ainda assim ao serviço da própria VIDA! Que faríamos nós, com este ar que já não nos nutre e não nos serve dentro de nós? Como faríamos nós, para inspirar novamente, para encher algo que já está cheio e que deixou de ter espaço para receber?
Retemos o ar, com os pulmões vazios e, nesse instante, podemos realizar, se assim o desejarmos e estivermos prontos para isso, que não somos separados do exterior, na realidade, nós somos tudo o que procuramos no fora de nós. Nós somos o Universo inteiro, através deste sopro partilhado, que é de cada um de nós e, ao mesmo tempo, que é de TODOS e não é de ninguém.
Todos chegamos ao mundo com uma inspiração e todos partimos com uma expiração. Mas nem todos respiramos da mesma forma, ao longo da nossa vida, em diversos momentos da nossa vida ou mesmo por instantes, ao longo do dia...
Neste momento, em tempo de “crise”, pode ser difícil RESPIRAR…
As razões pelas quais não conseguimos respirar “naturalmente” podem ser múltiplas. Pode ser devido a condições internas (em caso de patologia) ou externas (por excesso de poluição, por exemplo), mas para a grande maioria das pessoas neste momento, a principal razão pela qual é difícil respirar plenamente, é o MEDO… O medo da doença ou o medo da morte, o medo de as coisas não voltarem ao “normal”, o medo de perder algo, ou alguém, ou mesmo nós mesmos… E, quando esse medo vem de fora (através de todas as informações que nos chegam pelos meios de comunicação), pode haver uma tendência a suster a respiração, como se quiséssemos parar o tempo, como se nessa paragem pudéssemos encontrar a segurança e a estabilidade que não conseguimos sentir, como se nessa paragem pudéssemos evitar que essa última expiração chegue um dia… No medo da morte, deixamos a vida em suspenso… Suspendemos por tempo indeterminado a nossa inspiração, concentrando a nossa atenção nos milhares de coisas que, à nossa volta, pedem a nossa atenção e que por alguma razão queremos acreditar que são essenciais…
Mas o que poderia ser mais essencial que expirar novamente? O que poderia ser mais essencial que deixar partir, de dentro de nós, tudo aquilo que já não nos serve, que já não nos nutre, tudo o que nos impede de realizar que, só quando nos libertamos daquilo que queremos a todo o custo reter, surgirá novamente a liberdade para novamente receber, inspirar sem medo, recomeçar de novo e sem medo! E, tal como nas palavras de Krishnamacharya, entregar-se a Deus (ou à energia universal que faz com que cada coisa esteja no sítio certo, no momento certo, mantendo a coesão e o equilíbrio entre tudo e todos, para quem se sente desconfortável com a palavra Deus)… Aceitar que as coisas são exactamente como são e nem sempre como gostaríamos que fossem ou achamos que deveriam ser, poderá, finalmente, levar-nos a compreender que não existe outro momento para viver, que o momento presente… E que, não serve de nada suster a respiração por tempo indeterminado, porque a vida não pára, enquanto o fazemos! A vida continua a acontecer, sempre no “aqui e agora” e é exactamente nesse instante que temos que nos posicionar, sem apegos ao passado, sem medo do futuro…
Algumas pessoas já vêm ao mundo estabelecidas no estado de samādhi, que o Yoga, enquanto técnica, permite alcançar. Para todos os outros, que não tenham tido esse privilégio, mas que desejem, ainda assim, avançar na via do Yoga, Patañjali refere estas quatro características.
Yogasūtra I.20
श्रद्धावीर्यस्मृतिसमाधिप्रज्ञापूर्वक इतरेषाम्॥२०॥
śraddhā-vīrya-smr̥ti samādhi-prajñā-pūrvaka itareṣām ॥20॥
«Para os outros, a fé, [precede] a energia, a memória, a concentração, a alta inteligência [tomadas de consciência]».
A fé (śrāddha) de que fala aqui Patañjali, deve ser vista como uma forte convicção de que já possuímos dentro de nós a verdade que procuramos, mas também, a certeza de que o Yoga nos ajudará a atingir o nosso objectivo. Deste ponto de vista, a fé deve ser considerada como uma abertura ou uma experiência interior, um constante questionamento sobre nós mesmos e as nossas capacidades, algo que permita reforçar a nossa auto-confiança. Este tipo de fé é muito diferente de uma fé cega, capaz de levar à obscuridade e sectarismos. Pelo contrário, é uma fé muito próxima da consciência ou intuição espiritual. É uma fé que nos liga à nossa verdadeira essência, nos permite desenvolver o discernimento (viveka), encontrar o nosso centro. É uma confiança que não deixa lugar ao medo…
O poder do medo
"A Peste dirigia-se para Damasco e passou velozmente junto à tenda do chefe de uma caravana no deserto. - "Aonde vais, com tanta pressa?", perguntou-lhe o chefe. - "A Damasco. Penso cobrar um milhar de vidas.", respondeu-lhe a Peste. No regresso de Damasco, a Peste passou de novo junto à caravana. Então, o chefe disse-lhe : - "Eu já sei que cobraste 50 000 vidas e não o milhar que tinhas dito!...". - "Não.", respondeu-lhe a Peste; "Eu só cobrei mil vidas.
As restantes, levou-as o MEDO."
Anthony de Mello
Se há algo que nunca me abandonou ao longo dos anos, nem mesmo face aos múltiplos desafios que fui encontrando pela vida (incluindo este que vivemos actualmente), foi essa mesma fé inabalável (śrāddha) de que o Yoga é o meu caminho e o meu objectivo.
Através da prática, mas também através do estudo de diversos textos sagrados do Yoga, como o Yogasūtra de Patañjali e da Bhagavad-Gītā, foi-se desenvolvendo o meu svādhyāya, que me foi dando força e estabilidade para viver plenamente e sem medo, um dos maiores e mais importantes desafios da minha vida quotidiana : transformar os ensinamentos e a teoria destes textos sagrados do Yoga numa prática constante.
A Bhagavad-Gītā, trouxe para o meu quotidiano conceitos como o karman ou o dharma, que saídos da teoria dos ensinamentos que Kṛṣṇa transmite a Arjuna, se revelaram uma parte integrante da minha vida e da minha prática. Objecto de uma atenção e de um estudo constante, tornaram-se indispensáveis à minha progressão, ferramentas essenciais para ultrapassar obstáculos e continuar a trabalhar no sentido de me libertar da prisão que representam as teias dos kleśa.
É isso que pratico e é igualmente isso que partilho.
Quando a minha vida pessoal, familiar, profissional ou social não me permite a prática de antaraṅgayoga (os últimos três membros do Yoga de Patañjali, dhāraṇā, dhyāna e samādhi) e me obriga a voltar-me para o exterior, sei sempre que o Karmayoga, de que fala Kṛṣṇa na Bhagavad-Gītā (Yoga da Acção), me dá a possibilidade de, ainda assim, me manter na via do Yoga. Encontrar outras formas e outros meios de libertação da influência dos kleśa, desta vez através da presença no mundo e das acções realizadas. E, por essa razão, mesmo com o Shala fechado, durante meio mês de Março e todo o mês de Abril, continuei a agir, ao serviço do Yoga, do Padma Yoga Shala🌿 e de todos aqueles que, apesar de não se terem inscrito no Shala para aprender filosofia do Yoga, ou mesmo “Yoga além do tapete” (como gosto de lhe chamar), decidiram embarcar na aventura “online”.
Muitos de vós fizeram-no, certamente, enquanto esperavam que as coisas voltassem ao “normal”. Outros não o fizeram, precisamente porque também decidiram esperar que as coisas voltassem ao “normal”, para depois eventualmente voltar. Outros não o fizeram porque continuaram a praticar em casa e isso foi suficiente. Outros ainda, não o fizeram, porque não viram qualquer interesse nisso ou porque a vida deu voltas de tal maneira grandes, que encontraram outras paixões, ocupações, preocupações, ou tantas outras coisas terminadas em “ões” ou qualquer outro ditongo semelhante (que fazem sempre com que as palavras e os conceitos associados pareçam de tal maneira importantes, que não dão espaço para mais nada) e não voltaram a pensar no assunto do Yoga. E depois, há todos os outros, cuja vida deu uma volta de 180º e no meio do caos e da confusão, acharam que não tinham força e energia para algo extra. Tudo isto é válido. As escolhas de cada um, desde que feitas em plena consciência, são sempre válidas e não devem trazer arrependimento…
Mas, a todos aqueles que, durante o mês de Abril, se esforçaram para estar presentes (online, por mensagem, WhatsApp ou e-mail), nem que fosse de relâmpago e apenas para me “mostrar” que o Yoga não estava esquecido e que eu e o Padma Yoga Shala🌿 também não estávamos esquecidos, a todos aqueles que, dentro das suas possibilidades, se entregaram a esta nova aventura temporária “online”, que partilharam comigo momentos de riso, lágrimas, histórias íntimas e acima de tudo,Yoga, muito Yoga, gostaria de manifestar a minha gratidão! Vocês encheram o meu 💚 e preencheram a minha alma, cada dia, cada aula, muito, muito além do ecrã do meu computador! O Padma Yoga Shala🌿 nunca foi um “espaço”… O Padma Yoga Shala🌿 sempre foi mais uma espécie de “sonho”, o meu sonho de partilhar os ensinamentos que me foram transmitidos pelos meus professores (e pelos professores deles, etc., em respeito por esta lindíssima tradição milenar) com quem estivesse genuinamente interessado em aprender Yoga (não āsana, mas Yoga na sua globalidade, volto a referir…) e este momento que nos foi proporcionado pela “crise”, foi realmente um momento único, para que isso pudesse acontecer! A realização desse sonho, que não precisa de espaço, apenas precisa de tempo e vontade, só foi possível graças a vós! Do fundo do meu coração, só tenho a agradecer o TANTO que me deram este mês!
Bem sei que, na sociedade actual, a ideia de partilha ou troca está quase sempre inevitavelmente associada ao dinheiro. Durante este mês de Abril, através da minha partilha, tentei mostrar que não tem que ser assim, ou não tem que ser sempre assim, ou que essa não é a única forma de fazer ou a melhor opção! Há tantas formas de dar, há tantas formas de receber… Tal como quando inspiramos, nem de mais, nem de menos… E, nesse perfeito equilíbrio, aproximamo-nos um pouco mais da nossa verdadeira essência, sem medos, sem apegos nem repulsas, sem egoísmo, sem ignorância! E, por fim, acabamos por perceber melhor qual é o objectivo final do Yoga, a LIBERDADE (mokṣa).
Compreendo que, neste momento e para muitas pessoas, o medo parece ser a resposta racional (como poderia ser?), mas ainda assim, eu escolho a CONFIANÇA na imensa sabedoria do Universo, aceitando as coisas como elas são e vendo nelas as suas infinitas possibilidades e soluções. E a única solução é o AMOR! Chega um momento em que é necessário parar de ter medo e de reter a inspiração! É tempo para expirar, para que possamos libertar-nos dos nossos condicionamentos e apegos, para que possamos libertar-nos da falsa ideia de que podemos controlar o que quer que seja e simplesmente confiar, entregar! Afinal, é por isso que Patañjali nos fala de īśvarapraṇidhāna (o dom de si mesmo, a entrega a Īśvara)!! Volto a relembrar que, “…nem tudo é bom, nem tudo é ruim!”…
"Sendo uma consciência calma e clara, aquele que conheceu Brahman e se estabeleceu n ́Este não se regozija ao receber o agradável nem se aflige ao receber o desagradável.”
Bhagavad-Gītā, V, 20
Eu e o Padma Yoga Shala🌿, vivemos no momento presente, aceitando as coisas como elas são. Durante o mês de Abril, o Shala foi uma sala de reunião online no Zoom e está tudo bem assim. Um momento de crise é, por definição, um momento privilegiado para mudar, para nos desfazermos de medos e condicionamentos, para nos questionarmos profundamente e sinceramente sobre quem somos, o que fazemos aqui, qual o nosso papel neste tempo e espaço…
Em Maio ou enquanto vos fizer sentido (a vós e a mim) e formos “obrigados” a isso, o Padma Yoga Shala🌿 continuará a ser uma sala de reunião do Zoom, onde teremos as nossas aulas online de Prāṇāyāma, Meditação e Relaxamento, Yogasūtra, Yama/Niyama ao quotidiano e, este mês, também de Bhagavad-Gītā. Cada aula terá um código específico que será dado a quem o requisite, cada domingo, para a semana seguinte.
E, enquanto isso, vamos aproveitando estes momentos de reflexão para, além do medo, darmos a nós mesmos, uma oportunidade de viver uma vida mais plena, mais consciente, mais em equilíbrio connosco mesmos, com os outros, com o mundo que nos rodeia! Uma oportunidade de ser mais generosos, também connosco mesmos, de nos cuidarmos mais, de vivermos no momento presente. É tempo de parar de correr, mesmo quando estamos fechados em casa, porque algures pelo caminho da nossa vida, deixámos de saber fazer de outra forma, ou porque nos disseram que é assim que tem que ser (ou pior ainda, somos nós que dizemos a nós mesmos). É tempo de deixar querer controlar tudo e mais alguma coisa e de colocarmos a nós mesmos a pressão extraordinária de querer fazer sempre tudo bem (ninguém é perfeito, correr atrás dessa perfeição é apenas trazer mais sofrimento para a nossa vida...)! É tempo de aprender a dizer não, se for caso disso, sem necessidade de justificações. Ou de dizer sim, quando sentimos necessário e útil e benéfico e que isso não nos prejudica ou esgota. E, acima de tudo, é tempo de parar de julgar os outros, porque as suas ferramentas são diferentes das nossas. Todos nós estamos a fazer o melhor que podemos, com essas mesmas ferramentas… É tempo de parar de esperar por um regresso ao “normal” e perceber que a vida acontece no “aqui e agora”! Só quando aprendermos a confiar nessa imensa sabedoria do Universo, quando aceitarmos que a vida acontece de igual forma nos momentos bons, como nos momentos menos bons, poderemos verdadeiramente apreciar a vida, em cada momento… No final, nunca poderemos dar mais que o melhor de nós mesmos, mas sempre abrindo mão do apego aos frutos das nossas acções... E, não podemos esquecer que, por vezes (eu sei que não é sempre), das piores e mais difíceis situações, vimos emergir as mais belas histórias de transformação (ou não fosse essa a história do Padma Yoga Shala🌿)...
“Você tem o direito de executar o seu dever prescrito, mas não tem o direito aos frutos da acção. Jamais se considere a causa dos resultados de suas actividades, e jamais se apegue ao não-cumprimento do seu dever.”
Bhagavad-Gītā, II, 47
ॐ लोकाः समस्ताः सुखिनो भवन्तु⎜ ॐ शान्तिःशान्तिःशान्तिः⎜⎟ Oṃ
Oṁ lokā samastā sukhino bhavantu
Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ
Hariḥ Oṁ Oṃ
Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.
Que haja Paz, Paz, Paz.
Obrigada por me lerem… Com todo o meu amor e carinho, desejo-vos coragem, bons questionamentos e boas práticas… Dentro e fora do tapete! E, para quem tem dificuldade em "respirar", durante este período de intenso questionamento e mudança, não se esqueçam que tudo isto se trata de isolamento, não de solidão! Se necessário, peçam ajuda!
Porque, afinal, nunca estamos sozinhos...
Namaste,
🙏💚🌿 Rita
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