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Reflexões esporádicas_01...


... o Padma Yoga Shala está ENCERRADO, mas o Yoga pode e deve continuar, também além do tapete...


Queridos alunos e amigos 🌿,


À medida que o tempo vai passando e que vamos avançando neste “isolamento social”, somos cada vez mais confrontados a nós mesmos. Nós mesmos, com as nossas forças e as nossas vulnerabilidades. Nós mesmos, com os nossos vṛtti, agitações ou flutuações da mente. Nós mesmos, com a influência dos kleśa, as causas de aflição.


 

Yogasūtra II.3


अविद्यास्मितारागद्वेषाभिनिवेशाः क्लेशाः॥३॥ 

avidyā-asmitā-rāga-dveṣa-abhiniveśaḥ kleśāḥ ॥3॥


«As causas do sofrimento são : a ignorância, o ego, o apego, a repulsa, o medo [da morte].».

 

Parece-me escusado referir que cada pessoa está a viver este momento de forma diferente, creio que todos temos consciência que o isolamento se repercute de forma bem diferente em cada um de nós, dependendo da idade, da condição social, das condições de saúde, dos meios financeiros, da profissão exercida, das responsabilidades familiares ou profissionais, da zona do planeta em que vivemos, etc… Cada um viverá o sofrimento associado a esta crise e as respectivas consequências da mesma, de forma diferente também… Num momento ou noutro, assumir e reconhecer estas diferenças, pode ser uma forma de viver toda esta situação, de forma mais consciente e solidária, e a uma escala global. Para além das condições externas que certamente nos influenciam e perturbam neste momento, dependendo do grau de manifestação de cada uma das causas de sofrimento (referidas acima) e do enraizamento destas em avidyā (a ignorância metafísica que nos impede de nos reconhecermos como um ser pleno e consciente), o sofrimento pode igualmente diminuir ou aumentar…


 

Yogasūtra II.4


अविद्याक्षेत्रमुत्तरेषां प्रसुप्ततनुविच्छिन्नोदाराणाम्॥४॥ 

avidyā kṣetram-uttareṣām prasupta-tanu-vicchinn-odārāṇām ॥4॥


«A ignorância [Avidyā] é o terreno onde crescem os outros, quer estejam latentes, fracos, intermitentes ou intensos.».



Independentemente do nosso “ponto de partida”, na altura em que começou o isolamento, à medida que o tempo vai passando e que o “vai ficar tudo bem” vai perdendo força ou convicção para tantos e que os números assustadores já não são apenas os do vírus, mas também da taxa de desemprego, desigualdades escolares, nível de pobreza e fome (e não num país ou continente longínquo, mas aqui mesmo à nossa porta…), é praticamente impossível não entrar num processo de questionamento sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo à nossa volta, quer seja um questionamento consciente ou inconsciente, voluntário ou forçado, ele torna-se praticamente inevitável! De forma consciente ou inconsciente, todos temos sido confrontados aos nossos medos, repulsas, apegos, sentido de individuação e, mais tarde ou mais cedo, a avidyā, esta confusão que nos separa de nós mesmos, que nos separa dos outros, que nos separa da Natureza e de todas as suas formas de manifestação… Numa situação de crise (e sim, eu sei, algumas pessoas encontram-se mais em situação de “crise” que outras!), torna-se mais natural ver emergir questões como “Quem sou eu?”, “Qual é o meu papel neste momento?” ou “Qual é o sentido de tudo isto?” e, de uma forma ou de outra, vermo-nos mais inclinados a tentar perceber temas como karma ou dharma, para perceber a melhor forma de se posicionar face a tudo isto.


 

Será que, um mês depois, chegámos a alguma conclusão? Ou será que, à medida que o tempo vai passando, vamos tomando consciência que... 

...talvez não nos conhecêssemos assim tão

bem como pensávamos?



 

Para quem tem estado presente nas aulas online de Yogasūtra de Patañjali, ao longo das últimas semanas, já ouviu dizer que o modo de funcionamento do mental, com as suas flutuações da consciência (vṛtti), está classificado em cinco categorias, que podem, ou não, provocar sofrimento (ou aflição - kleśa).

Yogasūtra I.6


प्रमाणविपर्ययविकल्पनिद्रास्मृतयः॥६॥

pramāṇa viparyaya vikalpa nidrā smṛtayaḥ6


«São: o raciocínio justo, o raciocínio errado, a imaginação, o sono [sem sonhos], a memória».

 


Num momento como o que vivemos actualmente, em que as informações surgem de todas as partes e a velocidade estonteante, em que qualquer dado fornecido pelos meios de comunicação social, pode facilmente ser refutado num espaço de dias ou horas, em que abundam as teorias da conspiração por um lado e os abusos de poder por outro, em que toda a gente tem uma opinião a exprimir, com base na ciência, na religião, na sua experiência pessoal ou nas suas necessidades básicas, parece-me cada vez mais importante desenvolver a nossa capacidade de regressar, sempre que possível (através da prática de Yoga ou outro método que nos seja mais conveniente), ao nosso “centro”. Parece-me importante desenvolver a nossa capacidade de dirigir o questionamento para nós mesmos, desenvolvendo cada vez mais, a cada instante, a nossa capacidade de discernimento (viveka).


 

Yogasūtra II.28


योगाङ्गाऽनुष्ठानादशुद्धिक्षये ज्ञानदीप्तिराविवेकख्यातेः॥२८॥ 

yoga-aṅga-anuṣṭhānād-aśuddhi-kṣaye jñāna-dīptir-āviveka-khyāteḥ ॥28॥


«Através da prática dos membros do Yoga, e com a redução das impurezas, [brilha] o fulgor da sabedoria (jñāna), [que aumenta até chegar] à visão do discernimento.».


 

Isso não implica fechar os olhos ao que acontece ao nosso redor, o objectivo não é “fazer de conta que não está a acontecer nada, ficar na minha e esperar que tudo passe”, responsabilizando os outros por tudo o que está (ou virá) a acontecer (inicialmente teria dito enfiar a cabeça na areia, como uma avestruz assustada, mas como a situação actual me tornou mais atenta aos meus vṛtti, fui primeiro pesquisar, se realmente as avestruzes enfiariam a cabeça na areia quando estão com medo e, descobri aqui, que afinal isso não é verdade! Conhecimento correcto vs Conhecimento errado! 😂)…


O objectivo deste auto-questionamento consciente em situação de crise global, este esforço para “abrir os olhos” sobre nós mesmos, é precisamente desenvolver, mesmo que lentamente, uma maior capacidade para “ver melhor”, não só nós mesmos, mas também os outros e o ambiente que nos rodeia!



 

Se percebermos como se manifestam em nós as causas de sofrimento, quais são os elementos que desencadeiam essa manifestação (a sua causa), e que nos empurram a “reagir”, em vez de “agir em consciência”, então poderemos começar a “trabalhar” para desenvolver uma maior capacidade para reconhecer as nossas competências, a nossa grandeza e nosso valor, para melhor identificar as nossas limitações e também os nossos limites, aceitar as nossas vulnerabilidades e mesmo reconhecer a nossa arrogância, que se manifesta de cada vez que pensamos podemos controlar tudo (ou mesmo o que quer que seja, que não depende directamente de nós!)! E poderemos, então, começar a libertar-nos de avidyā…

Yogasūtra II.5


अनित्याशुचिदुःखानात्मसु नित्यशुचिसुखात्मख्यातिरविद्या॥५॥ 

anityā-aśuci-duḥkha-anātmasu nitya-śuci-sukha-ātmakhyātir-avidyā ॥5॥


« Avidyā é considerar o efémero como eterno, o impuro como puro, o sofrimento como prazer e o relativo como Absoluto.».


 


No final, sem querer desvalorizar o sofrimento que nos vem das causas naturais ou o sofrimento que nos é provocado pelos outros (esse sofrimento existe e é válido, mas…), é essencialmente quando trabalhamos sobre o sofrimento que causamos a nós próprios, quando nos esforçamos para acalmar a nossa mente, para reconhecer as nossas agitações e a forma como nos identificamos com os nossos pensamentos e emoções, quando nos esforçamos para mudar tudo o que podemos mudar e, ao mesmo tempo, para aceitar de coração o que não podemos mudar e que não depende de nós (sim, há que trabalhar a auto-compaixão), que nos vamos libertando aos poucos do domínio dos kleśa sobre nós, e nos vamos aproximando da nossa verdadeira essência. Porque tudo passa… Também isto, passará…


Enquanto isso, é preciso lembrar que : 

Yogasūtra II.16


हेयं दुःखमनागतम्॥१६॥ 

heyaṁ duḥkham-anāgatam ॥16॥


«O sofrimento que ainda não ocorreu deve ser evitado.».

 


Enquanto regava e me ocupava das plantas no Shala, ontem de manhã, não pude deixar de pensar mais uma vez como tudo deve ser tão mais fácil para elas… As sementes não duvidam da sua capacidade para transformar-se em árvores, nem tão pouco se questionam sobre se devem ou não fazê-lo, se merecem ou não esse privilégio, que tipo de árvore serão no futuro, ou em quanto tempo alcançarão o seu objectivo… O seu objectivo é apenas SER! E, por essa razão, todo processo que envolve o recomeço da VIDA torna-se simples, consistente, leve, natural… Mas também todo o processo da MORTE, que envolve o desapego, o libertar de todas as folhas mortas, daquilo que já não as nutre ou enriquece, daquilo que entrava a plenitude do momento presente, daquilo que as impede de ser a melhor expressão de si mesmas… Porque no final, o esforço e o desapego são duas faces deste processo a que chamamos EXISTÊNCIA! E, para que não subsistam dúvidas sobre o que estou a tentar dizer através deste exemplo, antes que os vṛtti se agitem e as opiniões se inflamem (como se vê infelizmente com tanta frequência, nos dias que correm), NÃO, não estou a falar das condições exteriores nem a emitir opiniões sobre o que se passa à nossa volta! Estou SIM, a fazer referência ao nosso jardim interior, ao conjunto dos nossos pensamentos, emoções, sentimentos e, por trás de tudo isso, a nossa consciência (não se trata de uma crítica ao exterior, mas sim de um apelo à interiorização e ao auto-questionamento...)! Se, em tempos de crise, através do estudo e da prática de Yoga, através do auto-questionamento, através da presença no “aqui e agora”, me dou conta que os padrões criados pelos meus vṛtti e pela a manifestação dos kleśa, me afastam a cada instante do meu centro, me trazem cada vez maior sofrimento, voltam o meu olhar para o exterior e acabam por me impedir de “agir” em consciência (em oposição à “reacção”, da qual tantas vezes nos arrependemos…), será que não está na altura de “sacudir as folhas mortas”? Para nós, seres humanos, essas folhas mortas são todos os nossos medos e condicionamentos (em oposição à confiança, à fé e à liberdade), os nossos desejos, apegos e repulsas (em oposição às nossas necessidades, à resiliência e à compreensão e aceitação de que nem tudo é bom e nem tudo é mau - ver esta pequena história contada pelo Pedro Kupfer), a nossa incompreensão e a nossa raiva (em oposição à compaixão e auto-compaixão, à solidariedade, ao amor)! 

Porque, no final, podemos não ter escolha na forma como o “mundo olha para nós”, mas será sempre da nossa responsabilidade a forma como “nós olhamos para o mundo” e o que fazemos com esse olhar… E que diferente que ele é, o olhar do 💚, o olhar da consciência…

Afinal, esse olhar é quem realmente SOMOS!


 

As mais belas coisas do mundo

Um dia, o meu avô perguntou-me quais eram as coisas mais belas do mundo, e eu não soube o que dizer.

Pensei que podia ser o pôr do sol ou o mar, ou o próprio Curral das Freiras, onde vivíamos na Ilha da Madeira, com as suas montanhas fechadas e tão altas. Ele sorriu e perguntou-me outra vez se não havia de ser a amizade, o amor, a honestidade e a generosidade, o ser-se fiel, educado, o ter-se respeito por cada pessoa e cada coisa.

Perguntou-me se o mais belo do mundo não seria fazer-se o que se sabe e pode para que a vida de TODOS seja melhor.

Eu fiquei muito espantado com a sua resposta. Pensara eu em coisas de verdade, e ele falava-me de modos de ser, falava-me desses ingredientes complexos que fazem a receita da nossa personalidade, a maneira como somos e sentimos tudo.”

Valter Hugo Mãe, As mais belas coisas do mundo,

Alfaguara Infantil, 2010


 

ॐ लोकाः समस्ताः सुखिनो भवन्तु⎜ ॐ शान्तिःशान्तिःशान्तिः⎜⎟ Oṃ

Oṁ lokā samastā sukhino bhavantu

Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ

Hariḥ Oṁ Oṃ

Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.

Que haja Paz, Paz, Paz.


 

Obrigada por me lerem… Com todo o meu amor e carinho, desejo-vos coragem, bons questionamentos e boas práticas… Dentro e fora do tapete! E, para quem tem dificuldade em "atravessar" este período e estes questionamentos sozinho, não se esqueçam que tudo isto se trata de isolamento, não de solidão! Se necessário, peçam ajuda!

Porque, afinal, nunca estamos sozinhos...


Namaste,

🙏💚🌿 Rita



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